Monday, October 2, 2017

Júpiter em Vênus


A noite estava gigantemente bela mais uma vez, pela segunda vez essa semana, pela milésima vez neste mês. Eu olhava por cima do véu e via tudo o que queria ver. O silêncio se espalhava como a pureza da alma verdadeira. As luzes que tentavam imitar qualquer desejo de localização se uniam em um só ponto, e eu me iluminava.
Eu amo esse cheiro de solitude e esse gosto de resiliência. De quem sobrevive todas as noites sem nunca deixar de ver a luz.
Eu confesso e devo assumir: por vezes não quis ver a luz, por vezes menti para mim mesmo que não havia nada lá. Eu me engasgava com a verdade que não pode ser calada. Ela é para todos, assim como essa luz, assim como esse silêncio, assim como essa noite.
Os gatos vinham de todos os lugares do espaço para dançar a dança universal dos que sentem em suas almas que são luz, que são silencio, que são a noite. Não há medo aqui, há apenas o conforto do pelo dos gatos pretos, pretos como essa noite.
Se eu souber olhar, verei nos olhos amarelos dos gatos pretos a doçura da ajuda milagrosa e divina. Eles vêm para amar, circular, rondar, proteger, confortar. Quando você os olha em seus olhos amarelos, eles piscam para você, com os dois olhos, pois não há segredo algum aqui. O que há é a verdade clara da noite escura.
Meu gato colocou sua pata de almofada em mim, enquanto eu admirava a noite plena, e me disse sem piscar: não arrebente seus miolos ainda. Nunca haviam sido tão diretos comigo antes, os gatos. Em seguida, ele me levou para a cama. Me colocou para dormir. Fechou meus olhos e cantou seu silêncio.

Eu agradeci a noite preta, os olhos amarelos e essa luz. Ah... essa luz.

V.G.

Sobre terremotos, portas e o guardião.


O terremoto dentro de mim estremeceu qualquer fundação que nunca esteve ali. Não era de verdade que eu te queria. Nunca foi de verdade que eu me quis. Sempre sozinho em todas as faces do mundo. O meu mundo. Nunca foi outro se não o teu, que nunca chegou, nunca estremeceu. Você não conhece o ruído sutil de um terremoto, e então nunca esteve com as orelhas ao chão.
Eu perdi o jogo quando disse que não era o jogador. Eu ganhei quando reconheci minha alma no topo da árvore. Nunca ela estremeceu.
Eu nunca te vi. Eu sempre te olhei. Eu olhava e me via enquanto achava que via alguém a mais. E nunca houve outro alguém. Estamos a sós finalmente. Eu e você. Sempre eu, sozinho, olhando para você que nunca será ninguém além de mim e todas as impressões que visto sua cara.
Minhas fundações se soltam como parafusos de portas velhas. Uma vez houve a intenção de bem aperta-los, mas os terremotos, os terremotos novamente. Simples como são, e de baixo para cima, e de todos os lados. Eu achei que estava bem parafusado. Eu achei que movia a porta com cuidado durante todos esses anos.
Nunca me pareceu tão velha a porta. Tão pouco sexy.
Em um lampejo de reconhecimento não humano, a porta sorriu. Era um abraço imaterial vindo do objeto mais obvio – ela abre, ela fecha, quantas vezes tiver que. Tão doce quanto era inanimada, a porta me amou. Ela sabiamente me disse entre farpas e bálsamo para madeira velha que meu mundo era incerto e volúvel. Nunca pude desconfiar da sólida porta. Eu chorava enquanto ela me abria. Com seu bálsamo ela me fechava.
Em um minuto eu falava sobre você, noutro eu abraçava a porta.
Minha necessidade era de matéria, mas minha alma queria a copa da arvore.
E se eu subisse, e se eu, lá, ficasse? Você nem saberia, embora eu te levasse comigo.
Outro dia me vi apaixonado pelo meu anjo da guarda. Quem não se apaixonaria por tal cavalheiro? Seu toque em meu coração era tão firme quanto o dia em que segurou minha mão. E eu estava no chão do banheiro. Sem força alguma para olhar para cima e enxergar seu cosmo dourado. Ele me olhava com um sorriso absurdo, lábios vermelhos de amor, olhos profundos de carinho. A porta já não mais poderia se fechar.
Foi quando então eu levantei, e caminhando encontrei um melhor amigo de ouro. Que com jeito e sem dedos me tocou – na alma. Eu estive o tempo todo buscando sua luz, seu conforto. Dentro da escuridão em mim, eu te acho em minha mente sempre que busco a mim mesmo. Afinal, quem mais há aqui?

Sozinho, entre o escuro e as luzes brilhantes. Com você, que sou eu, que divide meu estômago em 3, o pai, o filho e o espírito santo. Sei que minha intuição está certa. A porta não mente, a árvore emana a verdade, e o silêncio... ah... esse me diz todas as coisas que eu finalmente ouso perguntar.

V.G.

Monday, August 28, 2017

O Centauro



Existe por entre as florestas uma criatura tão amorfa quanto a névoa que percorre a copa densa das árvores verde-escuras. Às vezes ela se mostra como uma flecha em movimento: rápida e passageira, buscando um alvo do qual jamais teremos o mínimo vislumbre; é seu segredo natural. Às vezes a vemos encantada como um centauro, guiado por seu estômago e intuição. Ele sabe o que busca, e sabe também que nunca parará de procurar.

Tal criatura mágica nunca altera o natural percurso do ambiente em que se manifesta, já este, se forma e reforma para receber tal fantasticidade.


Não há possibilidade alguma de deter tal forma, de aprisioná-la, engarrafá-la, encarcerá-la. Ela será sempre mutável, disforme e absoluta em seu desprendimento. Cabe-nos observá-la em sua bondade e força, enquanto passa por nós em sua jornada infinita. É um privilégio.

V.G.